1981. Foi um ano importante para Francisco Cândido Xavier,
o Chico Xavier. Melhor: para os que admiravam o trabalho do médium
brasileiro. Depois de uma campanha lançada por muitos espíritas
conhecidos publicamente - atores, diretores, produtores de televisão e
teatro - Chico Xavier fora indicado ao Prêmio Nobel da Paz.
Sedimentava-se ali o reconhecimento ao trabalho em nome dos pobres e
necessitados desenvolvido por ele. No meio daquela torcida eufórica, um
grupo de espíritas cearenses realizou uma caravana a Uberaba, Minas
Gerais, onde Chico Xavier vivia e trabalhava incansavelmente. O
jornalista Fenelon de Almeida, do O POVO, viajou durante alguns dias com
o grupo num ônibus Expresso de Luxo. Seria uma permanência relâmpago em
Uberaba, como o próprio repórter escreveu: apenas dois pedaços de dia. O
resultado foi publicado em quatro dias de edição do O POVO, entre 6 e 9
de setembro daquele ano. Na primeira reportagem, Fenelon de Almeida
explicou o que viria a seguir: "Um quadro vivo do Chico Xavier que eu vi
e conheci em Uberaba, e a sua palavra mansa, lúcida e inédita a
respeito dos temas por mim abordados durante nossa entrevista". O grupo
acompanhou, por exemplo, uma maratona de 15 horas consecutivas de
atividade de Xavier. E o trabalho de psicografia realizado sem parar
durante quase três horas seguidas. Os cearenses também viram uma reunião
num subúrbio distante da cidade, onde Chico Xavier ia pregar o
Evangelho e levar ajuda material a pobres favelados, distribuindo
alimentos, roupas e brinquedos para as crianças. Também psicografou
autores cearenses, como Lívio Barreto, Quintino Cunha, Juvenal Galeno e
Leonardo Mota. A entrevista reeditada hoje foi publicada no último dia
da série e coincide com os 90 anos do médium, completados no último
domingo. Nela estão algumas das idéias de Chico Xavier sobre a paz,
justiça social, doação e, evidentemente, Espiritismo. O médium se saiu
de algumas perguntas com humildade - "na posição de uma formiguinha".
A idéia do Prêmio Nobel da Paz para Francisco Cândido Xavier foi uma
bandeira de repente hasteada por um grupo de amigos do humilde e
extraordinário médium espírita-cristão, desde o início empunhada por
apreciável parcela do povo brasileiro, que cerrou fileiras e fê-la
conduzir, triunfante, por intermédio de um seu representante (o deputado
Freitas Nobre), até a sede do Instituto Nobel, em Oslo, na Noruega. Ali
ela continua a tremular, sacudida por uma simpatia que já não é somente
dos filhos do Brasil. Outros grupos humanos, deste e do outro lado do
mar, também já se manifestaram a favor da idéia, formando um coro de
milhões de vozes que se alteiam, uníssonas, em idiomas vários e em todos
os quadrantes da Terra - na Argentina, no Chile, na França, em Portugal
na Espanha, na Inglaterra, na Alemanha, na Itália, no Canadá, no México
e em outras nações das Américas, da Europa, da Ásia e da África - todas
batendo palmas à idéia e aderindo ao desejo manifestado pelos dois
milhões de subscritores brasileiros e da candidatura do Chico.
Não é à-toa a indicação do nome do médium de Uberaba para o Mundial da
Paz 1981. Toda a documentação enviada ao Instituto Nobel pesava 100
quilos. São 183 livros em dez idiomas diferentes, 64 obras
assistenciais, com quase 2.000 unidades, fundadas, auxiliadas ou
mantidas com os direitos autorais dos mais de nove milhões de exemplares
vendidos, direitos por ele transferidos, sem exceção de um só, para
essas numerosas instituições, durante os 53 anos de ininterrupto
trabalho mediúnico a que continua a entregar-se de corpo e alma, sem que
lhe falte tempo também para participar, gratuitamente, de milhares de
campanhas beneficentes.
A respeito de como consegue sobreviver
adotando tal procedimento, ele não faz segredo a ninguém. Disse que vive
dos proventos de sua aposentadoria como pequeno funcionário do
Ministério da Agricultura. Explicou: "Naturalmente, são muitos os amigos
que me obsequiam, de maneira tão direta e espontânea, que seria uma
ingratidão, por exemplo, desprezar um terno de roupa, uma camisa, um par
de meia, um par de sapatos. De modo que vivo muito bem com os meus
vencimentos e com os amigos que eu tenho, que graças a Deus são muitos.
Não me sinto nem uma pessoa rica, para desperdiçar, nem pobre, para
desejar o que é alheio".
Sobre o Prêmio Nobel, que almejam lhe
seja entregue este ano, Chico Xavier assim se pronunciou, falando a uma
jornalista de São Paulo: "Consideramos este movimento como uma honraria
que os companheiros estão conferindo à Doutrina Espírita (...), embora
entre a Doutrina Espírita e Chico Xavier haja uma distância tão grande
como a distância entre um talo de erva e o Sol. (...) Para mim, a
premiação é esse mundo de amigos que estou recebendo, esse mundo de
carinho que está chegando até mim. Não é recompensa, porque não mereço,
não fiz coisa alguma para receber uma recompensa dessas. É uma carta de
crédito que eu nunca fiz por merecer, mas que me reveste de muita
responsabilidade. Quanto ao prêmio, em si, há muitos brasileiros capazes
de ir à Noruega recebê-lo e honrar nosso País. Eles terão o nosso
aplauso".
Repórter - Allan Kardec, o codificador da Doutrina
dos Espíritos, fez de um aforismo do apóstolo Paulo de Tarso a viga
mestra do edifício humano do Espiritismo Cristão: "Fora da Caridade não
há Salvação". Salvação para quem? Para o profitente espírita em
particular, por gostar de ajudar o próximo com atos de beneficência, ou
para o grosso da humanidade, carente de amor e de justiça?
Chico Xavier - Caro Fenelon, creio que tanto na palavra do Apóstolo
Paulo, quanto na expressão de Allan Kardec, o aforismo a que você se
refere ficará mais claramente colocado, em linguagem de todos os tempos,
nos termos: "Fora do amor não há salvação". Nosso caro Emmanuel muitas
vezes nos diz que esse conceito de "salvação", na sentença mencionada,
vale por "reparação", "restauração", "refazimento", etc. A propósito,
habituamo-nos a dizer, com referência a um navio que superou diversos
riscos: "O barco foi salvo...". Ou de homem que se livrou de um
incêndio: "O companheiro foi salvo do fogo..." Salvos para quê?
Logicamente, para continuarem trabalhando ou sendo úteis. Nessa
interpretação justa e salutar, reconhecemos que fora da prática do amor
uns pelos outros não seremos salvos das complicações e problemas, tantas
vezes criados por nós mesmos, a fim de prosseguirmos em paz,
servindo-nos reciprocamente na construção da felicidade que almejamos.
Repórter - Você não acha que lutar pela implantação definitiva da
justiça social entre todos os homens, pugnar intransigentemente em
defesa dos direitos humanos em todos os quadrantes da Terra - não seria
isso muito mais importante do que a simples dádiva de esmolas, que
muitas vezes não passam de migalhas que caem das mesas fartas dos
comensais da vida?
Chico Xavier - Estimaria mais se
você dissesse, com o seu nobre discernimento: "trabalhar pela
implantação definitiva da justiça social entre todos os homens", porque o
verbo lutar, em muitos casos, significaria agitar ou "conflitar". Creio
que todos os cristãos sinceros, estejam vinculados à interpretação
espírita do Evangelho de Jesus, ou não, permanecem construindo em paz o
reinado da justiça no mundo, sem a precipitação dos que se inclinam para
transformações violentas e sem a inércia dos apáticos. Relativamente à
chamada "esmola", não vejo na migalha de recursos materiais que se dá ou
que se recebe um gesto tedioso de quem usufrui mesa farta, e, sim, um
elo de simpatia e de amor entre as criaturas que se propõem a encontrar
um processo de ligação espiritual entre si, preparando-se
instintivamente para mais alta compreensão da fraternidade. Sem qualquer
idéia de esnobar esse ou aquele lance autobiográfico, peço permissão
para dizer a você que, quando fiquei órfão de mãe, aos cinco janeiros de
idade, a distância de meu pai enquanto permaneceu viúvo, aprendi a
agradecer às pessoas de coração generoso que me davam um pão ou um prato
de alimento, no transcurso do dia, porque quantos me prestaram esse
benefício se fizeram para mim benfeitores que me livraram da tentação do
furto, é, assim como me sentia feliz em receber essas dádivas para a
minha própria sobrevivência, creio que as pessoas que me amparavam
também se sentiam satisfeitas com a minha alegria. Reconheço que virá um
tempo em que a assistência social velará por nós todos; mas até que
isso aconteça, em plano maior (e admito que semelhante realização deverá
vir para nós e por nós, sem conflitos sangrentos), até que isso
aconteça, repitamos, você aprovaria alguém que vê os seus irmãos em
penúria, sem se mover, de modo algum, para auxiliá-los, pelo menos, em
pequenina parcela de apoio? Será justo que eu deixe o meu vizinho
desfalecendo em necessidade, sem dividir com ele os centavos que posso
administrar, a pretexto de aguardar o tempo em que me seria permitido
administrar aquilo que não me pertence, esquecendo-me de que posso e
devo repartir a parcela de recursos que a Divina Providência me
emprestou para meu usofruto?
Repórter - Fiz-lhe essa
pergunta, porque, a meu ver, simples atos de filantropia não passam de
gestos pessoais, sem maior profundidade social. Não será aquela caridade
burguesa que a Igreja instituiu, no passado, uma caridade dirigida,
puro paternalismo, que apenas serviu para adiar um problema que continua
a ser universal e urgente?
Chico Xavier - Compreendo
que todos os atos de filantropia são sementes de solidariedade humana
que não nos é lícito menosprezar. Sem qualquer idéia de bajulação,
acredito que a Igreja Católica sempre fez por nós o melhor que ela
conseguiu e continua a fazer o melhor que ela consegue; e se não faz
ainda melhor, é que todo o Cristianismo, seja nesse ou naquele setor que
o reflete, será sempre a imagem de nós mesmos. Se nos melhoramos
individualmente, estaremos elevando todo o grupo a que nos ajustamos.
Cremos que a caridade, em nossas áreas sociais, será sempre necessária,
em suas demonstrações e vivências, porquanto, de um modo ou de outro,
seremos sempre requisitados ao amparo mútuo, ainda mesmo quando tivermos
resolvido o problema urgente da educação e da distribuição do trabalho,
em nossa vida coletiva.
ANGELISMO E TRABALHO
Repórter
- Em várias oportunidades você tem dito que Emmanuel, seu Guia e
professor, é o mesmo padre Manoel da Nóbrega, o jesuíta que veio de
Portugal em companhia dos colonizadores com a missão precípua de aqui
plantar a semente do Evangelho. Ora, todos nós sabemos que Emmanuel,
quando padre Nóbrega, era um homem inteiramente devotado à religião que
abraçara e à causa da Igreja Católica em Portugal e no Brasil. Você,
Chico, que hoje o conhece melhor que nós outros, poderia dizer-nos o que
ele pensa da atual Igreja, no Brasil, e da sua ação pastoral e social
em prol dos deserdados da sociedade?
Chico Xavier -
Caro Fenelon, o nosso respeitado mentor espiritual não me delegou
qualquer recurso para defendê-lo, mas, por mim mesmo, não vejo o padre
Manoel da Nóbrega, do ponto de vista da História, na condição de um
sacerdote inoperante. Certamente, seria ele um homem de Deus,
inteiramente voltado para a causa religiosa que abraçara; mas isso não
impediu que tivesse vasta ação humanitária na formação original da
família brasileira, conforme atestam as petições de recursos para isso,
dirigidas por ele ao rei de Portugal, e a atuação decisiva de que
participou na criação de núcleos populacionais do País, como, por
exemplo, na fundação da cidade que é hoje a capital de são Paulo. Quanto
à opinião dele, Emmanuel, sobre a religião na atualidade, diz-nos
sempre o nosso Amigo Espiritual que o serviço da fé pode e deve
continuar instruindo e consolando, edificando e servindo em nome do
Senhor, junto às criaturas. Quanto ao trabalho em favor dos nossos
companheiros necessitados ou mais necessitados do que nós mesmos, esse
não é um trabalho específico de religiosos e políticos, cuja missão é
sempre venerável para nós, mas, sim, obrigação para nós todos, de uns
para com os outros, competindo-nos dividir com os nossos irmãos em
Humanidade pelo menos algo daquilo que a Divina Providência já nos
permite usufruir. Isso não é utopia, é a verdade para a qual caminhamos
nós todos.
Repórter - Houve quem denominasse "Angelismo" a
posição imobilista da Igreja Católica antes do Concílio Vaticano II,
preocupada, mais, com anjos e arcanjos e com o que pudesse acontecer ao
homem depois da morte aqui na Terra. Hoje, porém, a partir da cosmovisão
de Teilhard de Chardin, compreendeu a Igreja que o homem deve "assumir o
papel de diretor do seu próprio destino" - não só espiritual, mas
também social e humano. Que me diz desse novo posicionamento da Igreja?
Chico Xavier - Sinceramente, seria muito atrevimento da parte deste seu
servidor invadir pensamentos e diretrizes da religião que aprendi a
respeitar, desde a minha infância. Penso, porém, que, no futuro, os
homens cogitarão de se prepararem, em bases de educação raciocinada,
sobre o que lhes acontecerá depois da morte no Plano Físico, porque,
efetivamente, ninguém vai morrer, no sentido de desaparecer, de vez que
nos achamos todos, queiramos ou não, diante de nossa própria
imortalidade, além do corpo que usamos atualmente.
Repórter -
Mas por que será, amigo Chico Xavier, que o Espiritismo, no Brasil,
herdeiro da mundividência de Pietro Ubaldi, não desce um pouco do
Astral, onde se há colocado, e não se volta também para dentro do mundo,
"com os pés na Terra", onde há tantos problemas sociais, políticos e
antropológicos para serem discutidos, à espera de novas luzes? Lembre-se
de que "A Grande Síntese", de Ubaldi, precedeu a "O Fenômeno Humano",
de Chardin.
Chico Xavier - Creio que nós, os
espíritas-cristãos, estamos "com os pés na Terra", segundo a sua
expressão. Conquanto as deficiências pessoais de que possamos ser
portadores, todos nos reconhecemos interessados em nossa própria
melhoria interior, tentando, concomitantemente, doar a nossa colaboração
nas iniciativas que visem ao progresso e à assistência, em nossa vida
comunitária. Se posso, no entanto, sintetizar o meu pensamento pessoal,
no assunto, direi a você, que, na condição de espírita-cristão, eu não
me sentiria capaz de solicitar a um político, somente porque se tratasse
de um político, somente porque se tratasse de um político e meu amigo,
para assumir a direção do centro espírita a que me visse vinculado,
tanto quanto, reconhecendo, conscientemente, a pequenez de meu lugar na
mediunidade e na Doutrina Espírita, nunca esperaria que um político meu
amigo me convidasse para legislar, em companhia dele, sobre os altos
problemas da comunidade, simplesmente porque eu seja o médium imperfeito
que ainda sou e o espírita necessitado da caridade e do entendimento
dos meus irmãos de fé.
CRISTIANISMO REDIVIVO
Repórter -
É fora de dúvida que o Espiritismo, até bem pouco tempo, era
manifestação religiosa que possuía em alto grau - mais que a macumba - o
sentido exato do catolicismo popular, como expressão, portanto, de um
comportamento religioso dos pobres. Pergunto: Com as modificações que a
Igreja está adotando, particularmente os grupos que defendem a "Teologia
da Libertação", não estará o Espiritismo perdendo a sua condição de
"religião dos pobres", exatamente em virtude de sua postura um tanto
niilista, em confronto com a ebulição dos grupos católicos?
Chico Xavier - Caro amigo, já que estou respondendo as suas perguntas
por mim mesmo, não me sinto com o direito de examinar essa ou aquela
atitude da Igreja Católica, em cuja venerável presença sinto pulsar o
coração materno da nossa fé cristã, sejam quais sejam as interpretações
do Evangelho de Jesus que aceitemos no Brasil. À Igreja Católica dedico o
meu respeito, sem compartilhar-lhe da militância, na atualidade. Será,
talvez, por isso que, entregue às tarefas da mediunidade, na doutrina
Espírita, qual me vejo há muito tempo, não conheço o movimento que você
nomeia por "Teologia da Libertação". Dentro de sua pergunta, posso
apenas dizer-lhe que considero a Doutrina Espírita, na face religiosa,
na condição de Cristianismo Redivivo, acessível a todos, sem distinção
de faixas sociais. Com este esclarecimento, permitir-me-á você que me
recorde do ensinamento de Jesus: "Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos
fará livres", acentuando que na teologia simples do Evangelho temos nós
todos, os cristãos, o enunciado inesquecível dos princípios divinos: "A
cada um, segundo as suas obras".
Repórter - Tratando o fio
do meu pensamento anterior, e completando-o, insisto: se Astralismo foi a
doença infantil do Espiritismo, segundo o conceito do espírita mineiro
Noronha Filho, como o Angelismo a dos católicos, não acha você que os
tempos são mudados e já estamos suficientemente maduros para
construirmos, por nós mesmos, a Civilização do Terceiro Milênio?
Chico Xavier - Peço o seu consentimento para esclarecer que não vejo
puro "Astralismo" no Espiritismo, de vez que nós todos, os
espíritas-cristãos, nos reconhecemos com trabalho incessante, neste
mundo mesmo, atentos como devemos estar ao serviço da sustentação de
nossos grupos domésticos, qual acontece a quaisquer pessoas que prezem
conscientemente as suas obrigações próprias, e as tarefas, muitas vezes,
pesadas e sacrificiais, de apoio e manutenção das instituições
assistenciais diversas que nos vinculam à melhoria de nossa vida
comunitária. Quanto à parte final de sua pergunta, a sua bondade me
permitirá dizer que, em face de minha pequenez, reconheço que, para mim,
em nossos tempos, "devo estar suficientemente maduro para construir a
mim mesmo", conforme as instruções de Jesus, ante as perspectivas do
Terceiro Milênio, considerando-se que, mesmo na condição de espírito
desencarnado, precisarei enfrentar semelhantes perspectivas. No entanto,
confesso a você que ainda estou lutando - e muito - a fim de colocar as
construções de minha vida íntima em nível dos conhecimentos que os
Benfeitores Espirituais, por imensa bondade, me ofertaram, através dos
livros e das mensagens que escrevem por minhas mãos. Sinto-me em luta
comigo mesmo, luta essa que defino com estas palavras: Sei o que devo
ser e ainda não sou, mas rendo graças a Deus por estar trabalhando,
embora lentamente, por dentro de mim próprio, para chegar, um dia, a ser
o que devo.
O CAMINHO DA PAZ
Repórter - A seu ver,
qual o caminho que pode levar as nações a um entendimento satisfatório,
e, conseqüentemente, à uma paz duradoura?
Chico Xavier
- Creio que quando cada um de nós estiver cumprindo os deveres que nos
competem, perante Deus e diante da vida, à frente dos outros e ante a
nossa própria consciência, alcançaremos a paz duradoura. Sobre essa
questão de solucionarmos os grandes problemas da comunidade, na base do
esforço ou do sacrifício possíveis a cada um, temos o exemplo
inesquecível do Ceará, na abolição do cativeiro em nosso País. Há, mais
ou menos, um século, segundo acredito, o jangadeiro Francisco José do
Nascimento, revoltado contra a escravidão, gritou na praia de Fortaleza:
"Em minha jangada não mais aceitarei escravo algum, nem de bordo para a
terra e nem de terra para bordo". Outros jangadeiros, todos eles
brasileiros simples e profundamente humanos, seguiram-lhe as normas.
Naturalmente sofreram eles prejuízos consideráveis, abstendo-se de
angariar ou aceitar fretes que lhes eram necessários à subsistência, mas
sustentaram a própria palavra e a abolição na Província do Ceará
começou com o exemplo dos humildes, conquistando corações em todas as
classes sociais. Quando José do Patrocínio visitou a cidade de
Fortaleza, em 1882, já encontrou clima perfeito destinado a basear a
libertação dos nossos irmãos cativos. Todo o Ceará já possuía nobres
figuras de homens dignos empenhados à libertação dos nossos irmãos
cativos, mas comoveu-se toda a Fortaleza com a pregação do admirável
abolicionista. E os frutos da sementeira de Francisco José do Nascimento
começaram a surgir. Se não me engano, em princípios de 1882, o
município cearense de Acarape alforriou todos os seus escravos,
demonstrando a repulsa da Província ao cultivo delituoso da servidão
humana. Depois de Acarape, São Francisco e Pacatuba fizeram o mesmo.
Depois do exemplo de Sobral, libertando, espontaneamente, cento e
dezessete escravos, a abolição em toda a Província do Ceará se fez muito
antes do Decreto de maio de 1888, que declarou extinta a escravidão no
País. Conforme verificamos, os dignos brasileiros do Ceará liquidaram o
cativeiro, à custa deles mesmos. Não pediram dinheiro emprestado a
ninguém e nem convidaram outras províncias a se tumultuarem, a fim de
acompanhá-los; não pregaram a subversão contra as leis do Império e nem
aconselharam a desordem coletiva, a favor dos ideais de humanidade em
que se inspiravam. Fazendeiros ou não, proprietários ou não, os nossos
irmãos cearenses preferiram o próprio sacrifício. Não hesitaram em ferir
os próprios interesses e em diminuir as posses deles mesmos, mas
repartiram com os nossos irmãos cativos, mais do que o pão e as
vantagens que lhes pertenciam, e sim a própria liberdade, ensinando ao
Brasil inteiro, sem influências externas, que a liberdade de trabalhar
para garantir os seus próprios caminhos é um dom de Deus para todas as
criaturas humanas. Creia você que não faço essas referências por
bajulação ao nobre Estado do Ceará, onde a Divina Providência me
concedeu tantos amigos generosos e dedicados, mas porque, em se falando
de entendimento entre comunidades e paz duradoura, não acredito que
essas conquistas venham até nós por medidas de força ou através de
movimentos compulsivos do relho verbal e, sim, à custa de nosso próprio
suor, esforço, diligência e sacrifício, na compreensão e no auxílio de
uns para com os outros, qual aconteceu com os cearenses unidos e livres
do cativeiro, muito antes de surgir na capital do Império o decreto que
extinguiu a escravidão em nosso País.
Repórter - Se lhe fosse
solicitada uma sugestão, que aconselharia você às Nações Unidas, como
medida prática para evitar as guerras futuras?
Chico
Xavier - A sua bondade superestima demasiado a minha desvalia manifesta.
Se eu me atrevesse a responder a sua indagação, no sentido com que você
a formula, reconhecer-me-ia, em verdade, na posição de uma formiguinha
que se decidisse, indebitamente, a opinar em assuntos que competem a uma
assembléia de sábios, com os quais a pobre formiga nada tem a ver.
Repórter - Que mensagem você gostaria de aqui deixar para os iniciadores da construção do Terceiro Milênio?
Chico Xavier - Prezado amigo, se eu dispusesse de autoridade, rogaria
aos homens que estão arquitetando a construção do Terceiro Milênio, para
colocarem no portal da Nova Era as inolvidáveis palavras de Nosso
Senhor Jesus Cristo: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei".
Infância
Uma infância dura, cheia de dificuldades e trabalho. Assim foi a
infância de Francisco Cândido Xavier, nascido em 2 de abril de 1910, na
cidadezinha de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. Aos cinco anos perdeu a
mãe. Vendo-se sozinho e sem meios para cuidar dos nove filhos, seu pai
resolveu distribuí-los entre amigos e parentes. Chico foi, então, morar
com dona Rita, sua madrinha - pessoa geniosa, que chegava a ser cruel
com quem a desagradava.
Primeira vez
Com saudades da
mãe - que não sabia estar morta - sempre que a madrinha saía Chico
Xavier corria ao fundo do quintal para chorar as mágoas. Ali, passou
pela primeira experiência mediúnica. Ao ouvir um barulho, olhou naquela
direção e viu a mãe. A imagem era tão nítida que pensou que ela viera
buscá-lo. Sem dizer que estava morta, a mãe pediu-lhe paciência. Xavier
ficou com a madrinha durante dois anos. Seu pai casou-se novamente e a
madrasta recolheu os filhos do primeiro casamento e acabou de criá-los.
Menção honrosa
Na escola, ele não deixou de ter ajuda espiritual. No primeiro
centenário da Independência do Brasil, as crianças do curso primário
tinham de apresentar um trabalho sobre o tema. Quando ia começar a
composição, Chico viu a seu lado um homem que lhe ditava o que deveria
escrever. Chico obedeceu e ganhou o prêmio - uma menção honrosa.
Agressão e preconceito
Na infância e na adolescência, quando inclusive o problema de visão no
olho esquerdo já se mostrava evidente (foto), Chico sofreu todos os
tipos de agressão e preconceitos nas mãos da família, padres e vizinhos.
Todos viam nas suas manifestações mediúnicas apenas uma "coisa do
diabo". Apesar disso, passou a estudar os livros de Allan Kardec e o
espiritismo. Assim, sua mediunidade foi aos poucos passando por um
processo de depuração.
Polêmica
Com apenas o primeiro
ano primário, Chico Xavier publicou, em 1932, o seu primeiro livro,
Parnaso do Além-Túmulo, com 259 poemas de 56 diferentes autores. Todos
mortos. Esse foi o início das discussões em torno de Chico Xavier.
Parnaso trazia poemas de nomes como Augusto dos Anjos, Casemiro de Abreu
e Castro Alves. A polêmica redobrou em 37, já no seu quarto livro:
Crônicas do Alem-Túmulo, atribuído ao espírito de Humberto de Campos,
romancista e ensaísta morto apenas três anos antes.
Livros
Chico Xavier publicou quase 400 livros, atribuídos aos espíritos de
vários autores. O seu maior sucesso foi Nosso Lar, que chegou a vender 1
milhão de exemplares. Há poucos anos, o escritor Luciano da Costa e
Silva publicou Nosso Amigo Chico Xavier, resultado de uma pesquisa de 30
anos sobre a vida e a obra do médium. A obra narra fotos curiosos e
pesquisas científicas sobre o espírita mineiro, abrangendo desde a
infância em Pedro Leopoldo à indicação ao Nobel da Paz, em 1981.
Charlatão?
Chico Xavier chegou a ser considerado um charlatão por muita gente. A
acusação maior é que o médium teria "imitado" o estilo dos autores
psicografados. Porém, há muitos também que rebatem as acusações. Luciano
da Costa e Silva, por exemplo, diz que seriam necessários pelo menos 60
dias e noites de leitura sobre as obras de cada autor para "assimilar"
sua maneira de escrever. Para imitar o estilo dos 600 autores já
psicografados, diz, Chico, que só tem o primário, precisaria no mínimo
de cem anos de leitura.
Filantropo
Há alguns anos, seu
filho adotivo, Eurípedes Higino disse que, se recebesse direitos
autorais por seus quase 400 livros publicados em vários países, Chico
Xavier teria uma fortuna calculada em mais de US$ 20 milhões. Como nunca
recebeu esse dinheiro, suas posses se resumem a uma casa em Uberaba
(MG), onde vive. Os US$ 20 milhões - se é que a conta está certa - foram
destinados a obras sociais. O seu trabalho filantrópico é reconhecido
como uma demonstração de caridade e renúncia.
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